A denúncia contra os policiais está relacionada à conduta deles no dia do crime registrado numa mansão do luxuoso condomínio de luxo Alphavile I, no bairro Jardim Itália, em Cuiabá. O dono do imóvel, empresário Marcelo Martins Cestari, de 46 anos, é pai da garota que efetuou o disparo e também foi denunciado por Patrícia para que seja investigado junto com os policiais. O delegado Olímpio da Cunha foi quem atendeu o caso na noite daquele domingo. Ele instaurou o inquérito e arbitrou uma fiança de R$ 1 mil a Marcelo por causa de duas armas sem registro apreendidas na residência, incluindo a pistola da qual saiu o disparo que matou Isabele. O valor foi considerado "irrisório".
A denúncia pedindo providências do Ministério Público contra os cinco é assinada pelos advogados Hélio Nishiyama e Mike de Oliveira Santos, em nome de Patrícia Ramos. No documento, detalham sobre os inquéritos instaurados inicialmente pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e depois encaminhado para a Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), que investiga delitos tendo menores de idade na condição de suspeitos (em conflito com a lei) e para a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Cuiabá (Deddica), responsável por investigar questões onde menores figuram como vítimas.
"Ocorre que, no curso das investigações policiais conduzidas pela DEA e pela Deddica, restou evidenciado que os policiais Fernando, Leandro e Mário estiveram presentes no local do fato, após o disparo de arma de fogo, imbuídos de interesses particulares, contudo, valendo-se da condição de policial, alguns inclusive com veículos oficiais e um deles fardado", consta na inicial do pedido de investigação.
O documento é endereçado à procuradora de Justiça, Rosana Mara, que é ouvidora-geral do Ministério Público Estadual. "Os depoimentos produzidos, adiante transcritos, mostram que os policiais Fernando, Leandro e Mário, cada qual no seu modo e tempo, prestaram auxílio ao particular Marcelo Cestari no local do crime, em detrimento da moralidade pública e, sobretudo, da legalidade e lisura dos trabalhos realizados, naquele momento, pela Delegacia de Homicídio e da Perícia Técnica. Em relação aos policiais Fernando e Leandro, o auxílio em questão se estendeu até a Delegacia de Homicídio, durante a lavratura do auto de prisão em flagrante de Marcelo Cestari", consta no documento assinado pelos dois advogados e pela empresária mãe da vítima.
De acordo com o pedido para instauração de uma notícia de fato, procedimento preliminar que antecede o inquérito civil, os depoimentos dos próprios policiais mostram que todos, em certa medida, participaram efetivamente da ocorrência na residência de Marcelo Cestari, apesar de não integrarem a equipe da Delegacia de Homicídio. O sargento Fernando Raphael Pereira Oliveira é presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso (FMTM), que tem Marcelo Cestari como associado, pois pratica tiro esportivo junto com a esposa e filhos menores de idade, incluindo a filha que atirou contra Isabele.
Já o delegado, segundo a defesa de Patrícia Ramos, deve ser investigado por permitir a atuação desses policiais no local do fato. "A autoridade policial Olímpio, por sua vez, concorreu, em tese, para prática dos atos de improbidade administrativa, no mínimo por omissão, pois, na condição de chefe de equipe da Delegacia de Homicídio, era sua atribuição impedir que os policiais 'amigos' de Marcelo Cestari permanecessem no local do crime e, sobretudo, participassem dos trabalhos policiais e da perícia técnica", justificam os advogados de Patrícia.
MÉDICO RELATOU POSTURA INTIMIDADORA
Essa tese é corroborada pelo depoimento do médico neurocirurgião Wilson Guimarães Novais, que é amigo da família da vítima e esteve no local no crime na noite do dia 12 de julho. Ao prestar depoimento ao delegado Wagner Bassi Júnir, da DEA, no dia 31 de julho, ele disse que Marcelo Cestari usou policiais civis para intimidar parentes e amigos da vítima.
Segundo as declarações do depoente, os policiais civis estariam no local atuando como “seguranças” de Marcelo e mantendo “postura intimidatória". O médico descreveu a postura de um dos policiais como “incompatível com o ocorrido, intimidadora, com os braços cruzados, olhando de forma arrogante e fumando cigarro eletrônico”.
Em relação ao empresário Marcelo Cestari, a mãe de Isabele e seus advogados afirmam que ele "a princípio se beneficiou dos possíveis atos ímprobos, na medida em que, além da legítima assistência jurídica no local do crime, esteve a todo modo momento [durante a perícia na sua residência e lavratura do auto de prisão em flagrante na DHPP] acompanhado de seus 'amigos' policiais".
DEPOIMENTOS E CONFISSÕES
No pedido de investigação, são citados depoimentos dos próprios policiais para confirmar que eles "estiveram ilegalmente" na cena do crime. Patrícia e seus advogados sustentam que os policiais fazem "confissões" em seus depoimentos já prestados no inquérito ainda em andamento. No caso de Mário Santos, consta que ele confirmou ser amigo de Marcelo e esteve no local do crime para prestar "solidariedade" à família Cestari. Ele foi ao local usando um veículo oficial da Delegacia de Combate ao Crime Organizado, um Citroen C4 de cor cinza, ano 2020, de placa PBV 1E59, cuja foto registrada no local, consta no documento. Diz ainda que ele admitiu que "ajudou a retirar o corpo da vítima".
"Também é necessário frisar que, a partir das vestimentas do policial civil Mário Santos [bermuda jeans, camiseta e chinelo] e dos dados do veículo, é possível concluir que a pessoa mencionada pela genitora da vítima que chegou ao local 'cantando pneu, agitado e bastante prepotente', é o Policial Civil em questão".
Com essas ponderações a família de Isabele pede ao MPE que instaure investigação por improbidade contra os servidores públicos e o empresário, pois implicaram, em tese, em violação aos princípios da impessoalidade, moralidade, legalidade e lealdade às instituições da Polícia Militar e da Polícia Judiciária Civil, para beneficiar Marcelo Martins Cestari.
"Todos, em tese, estiveram local em razão de relações particulares com Marcelo Cestari, todavia, valeram-se da condição de policiais, seja violando o isolamento da cena do crime mediante “carteirada”, seja utilizando veículos oficiais, seja participando dos trabalhos da Delegacia de Homicídio, tudo com a aparente anuência do delegado de polícia Olímpio Júnior e em benefício do particular Marcelo Cestari", consta no documento.